A bengala e a pescada

13 de março de 2018

Desde que cheguei a Lisboa, há duas semanas, ontem foi o primeiro dia de sol convicto. Frio ainda, porém mais ameno, dezesseis graus. Pela janela do meu miradouro vejo a alegria nas ruas. Cadeiras nas calçadas dos restaurantes, cheios de gente almoçando. Velhinhos e velhinhas encapotados, alguns com bengala, caminhando ao sol.

No sábado, tinha ido à Feira da Ladra, aqui perto, mais ou menos um quilômetro. Só que uma ladeirona até chegar lá, descendo toda a extensão da rua da Verônica. Chovia. Mesmo assim, pelas quatro horas da tarde ainda se viam muitas barracas abertas. Comprei as lembrancinhas, que esse é um lado bom das viagens, a gente trazer para junto os amigos queridos com quem gostaria de estar ali, naquele momento. Depois passeei no entorno, entrei pela primeira vez na Igreja de Santa Engrácia, panteão nacional. Mas o melhor mesmo foi caminhar pelo casario da minha rua, ladeira acima, sem chuva, podendo apreciar os azulejos velhos

Ao subir a ladeira de volta, mochila cheia às costas, a rua continuava quase deserta, com suas calçadinhas de fila indiana de pedras portuguesas. Dava até para caminhar pelos paralelepípedos. Guarda-chuva desarmado, virou bengala. Inaugurei a bengala, minha gente! Como é bom! Se ainda der tempo, dou um pulo no Chiado e no Rossio, a ver se encontro uma bonita. Aqui em Lisboa é o lugar certo para comprar. E posso assegurar, de experiência própria: nada melhor para subir uma ladeira íngreme do que uma bengala. Dor das costas? Nenhuma. Com o tempo, deus me dando longa vida, quem sabe ainda venha a usar também no plano?

Voltemos a ontem, dia ensolarado. O restaurante mais próximo de casa, com as mesas espalhadas até perto dos trilhos onde o 28 faz a curva (além do Pingo Doce fechado, também esta linha dos elétricos esteve sem funcionar por causa de um conserto numa rua mais embaixo), já não servia almoços quando lá cheguei pelas três da tarde. Closet, closet, apressava-se em me dizer o garçom, a quem respondi em português.

Segui pela rua da Graça, passei em frente à Tasca do Jaime, continuei andando. Queria localizar um restaurante no qual, há pouco menos de dois anos, comemorei meu aniversário. Não sabia ao certo o lugar. Apenas que era mais embaixo nessa mesma rua. E que os nomes dos pratos em destaque do cardápio daquele dia estariam afixados na vitrine (montra, se diria aqui) em papel comum, escrito a mão.

Encontrei. Ao balcão, um dos garçons e não o dono. Na noite de meu aniversário, sendo um final de semana, ele mesmo cuidava do caixa e dos pedidos. Sugeriu um linguado, que trouxe para nos mostrar, trazido da montra pelo empregado, enquanto comíamos uns camarões ao alho no balcão. O preparo? “Deixe estar, que eu sugiro á cozinheira. Vocês vão gostar”. Que bela noite!

O de ontem foi uma pescada na brasa. Peixe bom não precisa mais nada que sal (na brasa, do grosso), limão e azeite. Estava perfeito. Servido com batatas cozidas, como deve ser, e uma salada de alface, tomate e cebola. Uma taça de vinho branco alentejano, ela própria gelada, como servimos cerveja aí nos trópicos, e uma garrafa de água mineral. Não comeria essa pescada em São Paulo, lugar dos melhores restaurantes do país, comparáveis a qualquer boa mesa pelo mundo. Porém peixes? Desculpe, minha querida São Paulo. Mas, coisas do mar, onde tem mar. Paguei doze dólares por tudo, incluindo os dez por cento da gorjeta que não constava na nota.

2 comentários em “A bengala e a pescada

  1. Deliciosa crônica, Teresa! Lisboa é mesmo um lugar bom para morar. Mas, como você disse, importou figuras da classe média fascista brasileira. Para quem está aqui, menos um mal elemento. Ontem, uma procuradora do Rio de Janeiro publicou sandices sobre a valorosa Marielle, felizmente, logo contestada por um magistrado (existirão sempre os abutres de plantão, buscando notoriedade).
    Bem, aproveite a chegada do sol, a alegria das pessoas nas ruas e a deliciosa comida portuguesa. Nunca esquecerei a sapateira gigante (jantar para duas pessoas) com um cálice de cachaça de pera, no Chiado!

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