
24 de março de 2018
Eppur si muove ou E pur si muove (mas se movimenta ou no entanto ela se move, em português) é uma frase polêmica que, segundo a tradição, Galileu Galilei pronunciou depois de renegar a visão heliocêntrica do mundo perante o tribunal da Inquisição (Wikipédia).
Enquanto os militantes de outrora acham que estão fazendo alguma coisa repassando mensagens distantes pelo celular, os jovens começam a se movimentar. Enquanto esses mesmos que ainda se dizem de esquerda espalham um vídeo sobre a riqueza de Edir Macedo, um discurso de romancista africano sobre o medo, odeiam as igrejas crentes, falam do neoliberalismo com o mesmo ódio com que alguns pastores das igrejas evangélicas se referem ao demônio, jovens destas mesmas igrejas, sem distinção de credo, pois também existem católicos entre eles, movem-se para protestar e dar apoio às famílias atingidas pelos homicídios. A sociedade, sabemos, é cheia de contradições. Hegel sabia disso.
Jovens de cerca de 53 organizações e igrejas cristãs fazem nesse momento um manifesto nas areias do Pina. São 1.000 cruzes pretas de madeira, cada uma simbolizando os jovens, negros, moradores da periferia (90% dos casos, estimativamente) que foram assassinados somente no primeiro trimestre deste ano de 2018 em Pernambuco. O número oficial é divulgado pelo Estado mês a mês, no dia 15. O ano passado, foram 5.427 homicídios no Estado, quase 10% de todas as mortes no Brasil, segundo o Forum Brasileiro de Segurança Pública. Eles pedem mais. Que o Estado publique essas cifras discriminadas por cor, gênero, idade, local de moradia. Pelo menos isso.
É o segundo ano dessa manifestação. As mesmas mil cruzes pretas do ano passado. Houve progresso nenhum do ano passado para este no número de homicídios, malgrado o aumento dos gastos com o policiamento. Os ricos se trancafiam cada vez mais, o trânsito fica inviável. Os pobres, na periferia, enfrentam a violência diária. Os economistas se sucedem em planos para municiar esta ou aquela política pública, este ou aquele candidato.
E a sociedade se move. Nós, brancos, amedrontados, nos trancamos. Já escrevi isso ao início de minhas crônicas desse blog: enquanto os jovens, sobretudo os de classe média (os da periferia já vivem a vida de rua), não ocuparem as ruas, espaço de cidadania, para o cotidiano de suas vidas, de pouco adiantará as políticas e os discursos e os planos econômicos que mudam como as modas de combate às doenças sociais. As mulheres ficando sem os peitos, os homens brochando sem a próstata, os médicos enriquecendo, uma sociedade envelhecendo, encolhida de medo, doente.
A manifestação teve início às 7 horas da manhã. Parei minha caminhada e não resisti à crônica social. Conversei com vários. Tirei muitas fotos, porém quem quiser saber mais e ter melhores fotos, é fácil entrar na mídia: movpedepaz. Distribuiram uma folha de papel (como não lembrar de meus tempos de militância estudantil distribuindo panfletos de denúncia da ditadura em 1968?) para os caminhantes e os automóveis. Um ônibus a caminho de Madeió, transportando a orquestra de câmera Alto da Mina, com jovens e crianças, deu uma paradinha e uma “canja”. Sob a batuta do maestro Israel, um negro de cabelos black power ao violino, tocaram um pequeno trecho da Nona sinfonia de Beethoven, com direito ao coral, Asa branca e Mais perto quero estar.
Precisava vir tomar café da manhã para iniciar meu dia, que tem compromisso logo mais. Perdi o restante da manifestação, não sem antes acrescentar essas palavrinhas ao Momentear de hoje.
Que bom que compartilhou mais esta vivência… Justo hoje, que estou melancólica e mais emotiva do que de costume… Por vezes, faltam-me palavras para externar a indignação e a enorme tristeza que me assolam, num misto de perplexidade com sentimento de impotência em tempos de “mau sentimento, atraso e pitadas de psicopatia”!
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