Digam-me, senhores, por que um sentimento de obrigação persegue os aposentados? Era isso o que a Mulher do Sétimo Andar se perguntava, espiando o mar do Pina das três horas da tarde. A vontade era continuar lendo o romance, emocionante à página em que parou para almoçar. Mas não. Senta-se em frente ao computador. Sem ter mais o que inventar, inventou meia dúzia de leitores. Só para ter uma obrigação na vida: todo domingo, mandar uma coisinha para esses leitores se distraírem.
Quando posta o que escreveu na semana, sente aquela satisfação do dever cumprido! O domingo voltou a ser um dia especial. Quando ia à missa, nas calendas do século passado, quando cumpria rituais, o sagrado tomava conta do domingo. E era bom acreditar que para isso foi criado o Sétimo Dia. Vestia-se de roupa domingueira. Ia-se à matinê no cinema. Outros se visitavam, num tempo em que não havia televisão. A televisão enterrou o domingo.
Pois então. Até que foi boa ideia de publicar sempre uma coisinha nova, assim como o vestido novo para ir à missa. Domingo passou a ser, para a Mulher do Sétimo Andar, o dia do trabalho propriamente braçal – a sala de imprensa. Depois da trigésima revisão, o texto já na tela do blog – mas ainda não apertou a tecla publique-se –, ela ainda lê alto uma derradeira vez. Até que as letras olham para ela, já meio zangadas, chega, deixa a gente ir embora.
Só então a Mulher do Sétimo Andar relaxa. Vai tomar um bom café da manhã. Satisfeita, sai à cata dos destinatários no e-mail (estes vão agrupados em embarcações maiores) e no whatsapp, pequenos botes, de cinco em cinco. Gosta mais dos pequenos botes, porque neles pode ver a foto de perfil de cada um; e tem a sensação de que, para cada um deles, somente, se destina aquela missiva.
Dependendo da hora, se o domingo está nublado, pouca gente na praia, por que não? Veste o biquíni, uma saída de banho, chapéu, mochila com dinheiro para a barraca e o romance da vez. É aposentada, pode ir tomar banho de mar qualquer dia da semana. Contudo, os dias úteis não têm o sabor do banho de mar aos domingos. Às vezes, o romance vai só passear, e ela se distrai espiando o passeio dos outros, escutando o monótono murmurar do oceano.
Não podia continuar espichando o sétimo dia para os outros todos da semana? Não carece mais de bater ponto… “Está liberada, minha senhora, faça bom proveito do seu tempo”. Mas não. A segunda feira ainda se concede. Afinal, trabalhou muito no domingo, na sala de imprensa. Porém, já na terça feira, mesmo sem ser chamada, bate à sua porta uma senhora que a conhece muito bem, são praticamente vizinhas.
A Mulher do Sétimo Andar, pressentindo que a qualquer hora poderia chegar a indesejada visita, tenta armar estratégias para se livrar dela. Por toda a manhã, fez que não estava em casa, deixou-a esperando na porta. E ficou quietinha na rede sem largar o romance. Mas chegou uma hora em que não dava mais para se fazer de surda. Abriu a porta, e entrou a velha senhora.
Entrou sem cerimônia, como um filho na casa materna. Abancou-se na melhor poltrona e nada disse. Nem precisava. A Mulher do Sétimo Andar já sabia de cor e salteado a cantilena da cobrança: Você fez hoje sua caminhada e não teve ainda nenhuma ideia do que vai ser o conto, ou crônica, ou até uma carta serve. Mas não se esqueça que hoje é terça feira. E as vezes a primeira ideia não se aproveita, há que esperar a da caminhada do dia seguinte. E vai que está chovendo?
A Mulher do Sétimo Andar sabia que a vizinha não iria arredar o pé da sala se ela não lhe desse alguma satisfação. Por isso, sentou-se à mesa de trabalho às três horas da tarde. E só se levantou quando terminou essa crônica ligeira, desculpem aí, meus leitores, a culpa é dessa velha senhora, a dona Obrigação.
Post leve e gostoso de ler! (Mas que a velha é chata, é!) 😡
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Adorei o post, querida Teresa. Acho que entendi a tal “Dona Obrigação”, mesmo não sendo aposentado. Sinto-a nos dias de folga, nas férias, quando eu mais deveria relaxar. O sentimento de missão cumprida após uma obrigação imposta a mim mesmo é viciante. Ah, eu nunca lidei bem com o domingo… Especialmente o final da tarde.
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E ainda tem de se confessar no domingo !!
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É interessante, Fred, como essa pequena crônica está provocando reescritas diversas nos leitores. O que me deixa lisonjeada, pois a melhor prova de fogo de uma ficção é essa: ser re escrita pelos leitores.
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