Feliz Páscoa

São três horas da madrugada desse domingo de Páscoa. Para a molecada que “curte” um resto de noite no calçadão, falando alto, quase gritando, apenas o último dia de um feriadão. O tempo parado, sem vento. Janela aberta de par em par. Para abafar o som da periferia no outro lado da rua, ouço o programa Cultura Madrugada, na Rádio Cultura da Fundação Padre Anchieta. Fez milagre essa música de orquestra: foi como se houvesse descido do sétimo andar, para incomodar de volta os jovens farristas, que foram para outra freguesia. Agora posso sair do concerto e voltar a ouvir as ondas do mar.

É uma pena que não possa escrever no escuro. Pena que há tanta luz potente nos postes altos da avenida. E eu ficaria sozinha no meu camarote do sétimo andar, vendo somente o rendado das águas, escutando somente o murmúrio do mar. E ficariam mais iluminados do que já estão, os dois navios que vieram comemorar os feriados da Páscoa aqui na minha vizinhança. Durante toda pandemia, quando escrever crônicas foi o que me manteve viva, outros navios também estavam lá, de quarentena, à vista da minha janela.

Desde que comecei a escrever um livro, uma quase biografia de Canhoto da Paraíba e João Pernambuco, fiquei nesse costume de acordar de madrugada. Minto. A bem dizer, esse costume é antigo. Apenas ele passou a ter hora marcada na Serra Negra de Bezerros: às três, como se fosse um despertador programado. Fiquei lá uma semana, para começar a escrever pra valer. Uma pousada afastada, cheia de flores, mas também com horta, pomar e galinheiro.

Ah, meus amigos… Vocês não sabem o que é acordar com o galo da madrugada. Às três em ponto. Todo dia. Só então, percebi de verdade o poema de João Cabral de Melo Neto, Tecendo a manhã.

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

O grito do galo que ficava bem na frente de meu quarto, era o primeiro. Aos poucos, de outras serras, os outros vinham tecendo o que não é uma manhã, viu João Cabral? É uma madrugada. Desperto, sem sono, pois havia ido para a cama no horário das galinhas. E começo a trabalhar, até o corpo pedir para fazer algum alongamento, comer alguma coisa.

Voltei para o meu sétimo andar, nesse lado da cidade onde não existe galo. Mas já era tarde para mudar o hábito. O de Serra Negra programara o horário dele na minha memória. Então, dona moça, vamos ao trabalho, que estou correndo contra o tempo, nos capítulos finais.

A crônica de hoje é apenas para desejar a vocês um feliz domingo de Páscoa.

Deixe um comentário