08 de setembro de 2024
Agosto tomou-se de gosto pelo poder e não está querendo passar o tempo para a primavera de setembro. No Recife, sabe-se, de longa data, que agosto é o mês dos ventos, a despedida do inverno. Mas esse ano de 2024 está marcando uma inflexão nos tempos do mundo. É surpresa para todo lado. E não têm sido alvissareiras, as surpresas. Aqui no Recife, ventos e chuvas não deixam o verão chegar.
Ontem, o tempo ainda deu uma colher de chá para o feriado, que aqui é tradicionalmente o dia da abertura oficial das praias. No Recife, nos tempos em que ainda se ia às ruas para assistir aos desfiles, as pessoas se dividiam entre os que iam às ruas e os que iam às praias. Hoje em dia, que os desfiles perderam prestígio, sobrou a praia.
E a Mulher do Sétimo Andar espiava ontem, de sua janela, a praia do Pina em dia de festa. Olhando para o lado esquerdo, lá está o “Buraco da Velha”: um piscinão de águas quentinhas, protegido pelos arrecifes, e longe da sanha dos tubarões. Uma vista linda! Com o colorido das barracas pintando o areal mais extenso dessa orla.
Mas alegria de pobre dura pouco. Ela acordou hoje pela madrugada com ventos e chuvas fortes. Voltou a dormir. De manhã, o sol não apareceu. Com nuvens escuras no céu, a chuva, contudo, deu uma trégua. Estiou. Alguns ainda armaram barracas na praia.
De sua janela, a Mulher do Sétimo Andar tomou a maçaranduba do tempo, e viu que dava para ir até o mar. A quanto tempo não toma um banho de mar com gosto? Esperando setembro, que não chega. Maré cheia, nem pensar em entrar num mar revolto e cor de caldo de cana. Mas pelo menos chegar perto, ouvir o quebrar das ondas, molhar os pés. E foi. No caminho, viu que os jogadores de futebol de um dos campos já haviam terminado a partida e estavam onde sempre ficam todos os domingos: à sombra de uma Castanhola, com cadeiras de praia e isopor com cervejas. Jogadores no outro campo, apito do juiz. Tirou a sandália para sentir a areia. O prazer do tato na sola dos pés: grama, areia dura, areia mole, molhada pela chuva da madrugada, morrinhos para os pés, massagem.
O mar sem vivalma. Mar de agosto, em dia de chuvas e ventos, amedronta. Mais que tubarão. Molhou os pés. Pediu a bênção a Yemanjá para uma decisão importante que precisava tomar naquele dia. Vontade de ficar mais tempo espiando o infinito do mar, mas o corpo pedia para voltar. Ficar em pé cansa.
Quando se virou de costas para o mar, ouvindo ainda sua sinfonia em harmonia com os ventos de agosto, teve uma surpresa inusitada. Algo que não tinha notado na chegada. Pedaço de um tronco de árvore, na horizontal, bem fincado na areia, no final do quebra mar. Parecia um presente dos anjos do céu. Sentou-se. Um banquinho só para ela. Agora podia apreciar o mar e os corajosos caminhantes em terreno inclinado. Metade deles com cachorros que corriam soltos atrás, à frente, sorrindo, como sorriem os cães.
De um deles, ouviu uma ordem: corre Nina, corre. Enquanto ele, satisfeito, caminhava a passo rápido com a coleira na mão. Quanto tempo ficou ali sentada a Mulher do Sétimo Andar? Ficaria mais, não fosse um novo vento que chegava raivoso, anunciando chuva. Foi só o tempo de pegar o par de sandálias que pousava junto a ela no banquinho, e voltar sem pressa. Já no calçadão, calçou as sandálias e viu um quase redemoinho fazendo uma dança das folhas marrons caídas das castanholas.
Não chegou a se molhar. Foi até o chuveiro da garagem para lavar os pés de areia, e então caiu um pé d’água de respeito, para agosto nenhum botar defeito. Mas pelo menos voltou para casa com a decisão tomada. No dia seguinte, encomendaria as telas para as janelas. Só faltou escolher o nome. Porém, para isso, precisaria conhecer pessoalmente a felina tricolor e vira-lata.