22 de setembro de 2024
Mal chegou, alegrando um sábado de sol, já ameaçou recolher-se e esperar o verão. Agosto anda brabo. Hoje, enquanto o sol nascia entre nuvens, numa Aurora acanhada, agosto insuflou os deuses da mitologia grega e da mitologia yorubá, para mandar todos os ventos anunciando chuva. E aí está o resultado: são 6:15 da manhã, e nem sombra de corredores e caminhantes do calçadão. A chuva ainda não chegou. Espera-se a qualquer momento, depois do aviso prévio. Ou não. Pode ser só para assustar.
A Mulher do Sétimo Andar gosta de caminhar no calçadão, ou na areia da praia, aos domingos. Bem cedo. Aos preparativos para as partidas de futebol, ou para os grupos de corredores.
Bom mesmo, quando pode dormir mais cedo no sábado, para poder acordar às 4:30 da madrugada, dia ainda escuro. Como hoje. Foi tomar um copo d’água no filtro, estendeu o tapete de Yoga no quarto, e deixou a cortina aberta, para ficar atenta à Aurora. O dia verdadeiramente só principia com o nascer do sol. O momento mais sagrado do dia. Mais do que o anoitecer do Ângelus e da Ave Maria.
Enquanto o sol não clareia o dia, ela faz alongamentos, para preparar as cansadas pernas e pés para carregar com ela o corpo de 79 anos. É o preço pago para permanecer vivendo. Se o corpo parar, desce a ladeira. Aposenta-se da vida. Fica inerte vendo televisão. Com o tempo, o corpo já não anda, e pede uma cadeira de rodas.
Credo!!! Sai pra lá, capiroto! “Eu quero mais é viver!”, pensa alto a Mulher do Sétimo Andar. E espia pela janela do escritório. Espia o movimento no calçadão e na praia. Praia deserta. No calçadão, uma única mulher caminhando com sacola, bolsa e uma sombrinha amarela armada à espera da chuva. Certamente a caminho do trabalho em algum domicílio.
Maré alta. O barulho raivoso do vento é maior do que o suave murmurar das ondas, desmanchando-se em leite na areia.
Domingo passado, ela lembra agora, vésperas de lua cheia, a maré amanheceu muito baixa. “Maré seca”. Essa expressão tão controversa aos ouvidos alheios às praias nordestinas. Como maré seca, se o mar continua cheio de água? Naquele domingo, a Mulher do Sétimo Andar fez uma caminhada memorável, pelas areias úmidas da beira mar. Caminhando no plano. A planura do fundo das águas sem as águas. Ah, pudesse caminhar assim todos os dias… Ela pensa: “eu não queria ser prefeito e nem presidente da república. Eu queria mesmo era ser dona do tempo. Aí decretava que as marés não obedeceriam mais aos ciclos da lua, mas sim ao prazer dos habitantes da terra: maré baixa pela manhã, maré alta à tarde. A noite, dona maré, fica a seu gosto”.
Pois bem, no domingo passado, no caminho de ida, a praia parecia um deserto. Na volta, porém, quando foi se aproximando do Pina, onde é grande o espaço de areia firme entre o mar e a areia fofa, começava-se a armar as barras para as partidas de futebol na areia. Ficou espantada com a quantidade. Nunca, antes, vira tantas barras de gol. Contou sete (eita, conta de mentiroso! Mas, se contar com os três campos de futebol próximos ao calçadão, são sete mesmo). Nenhum dos jogadores da praia estava ainda jogando. Eles dividiam tarefas de armar as barras na areia, e delimitar com os pés o espaço do campo.
No decorrer da semana, a Mulher do Sétimo Andar observou que havia caminhões da prefeitura remendando os alambrados do campo de futebol que fica em frente à sua janela. E ela ficou matutando: é isso mesmo. Esse é o tempo de aproveitar, que o dinheiro dos políticos em campanha anda frouxo. Aproveitar para melhorar os equipamentos de lazer. O pão nosso de cada dia, esse, Deus dará. Porém, e o circo? Esse a gente pede aos políticos, enquanto dura a campanha eleitoral.
Mas, para não encerrar assim, com pensamentos tão sombrios, uma crônica domingueira, a Mulher do Sétimo Andar volta ao título: a primavera chegou. E chega-lhe uma lembrança boa… de um pintor que gostava de pintar mulheres. Era uma vez, estavam sentados os dois na areia da praia do Guarujá, e ela ouviu da boca dele, enquanto espiava as moças caminhando à beira mar: “como eu gosto dos dias de sol e calor, quando as mulheres mostram mais o corpo!”