Diário do Pina

O Outono das Castanholas

25 de setembro de 2024

As castanholas do Recife bagunçam as estações do ano. Elas pensam que estão na Nova Inglaterra. Aos ventos de agosto e prenúncios da primavera, seca quase metade das folhas.

Na passagem do Pina para Boa Viagem, existe, como marco, uma imensa castanhola de raízes esparramadas pelo chão. Para essa árvore, foi construído um recuo no calçadão. É imponente como uma Gameleira. A Mulher do Sétimo Andar, por vezes, se senta à sombra gorda dessa castanhola, para tomar uma fresca, no final da caminhada.

Ela vem acompanhando o outono das castanholas, que principiou por essa gigante. Formou-se, nos tijolinhos do chão, um tapete colorido demarcando a extensão de sua copa. Um tapete em amarelos, vermelhos e marrons. As folhas variam de tamanho, desde uma pequena palma da mão de uma criança – as que não vingaram, como as crianças pobres que morriam antes do primeiro ano de vida – até a manzorra de um gigante. Algumas ainda nem perderam o verdor de vida, e acrescentam, à natureza morta esparramada pelo chão, um verde vivo e brilhante.  

Os distraídos caminhantes e corredores nem se dão conta de tamanha beleza em cores e formatos. Um estampado perfeito para um vestidinho de alças de verão. Vão pisoteando, chutando… aliados da ventaria, para espalhar a natureza morta em diferentes formatos. As folhas novas, que despontam nos galhos no topo da imensa castanhola, espiam do alto as irmãs mortas, sabendo que sua vida é curta. No próximo outono, serão elas a terem esse velório, com chutes e pisoteio de tênis, pás e vassouras dos garis da prefeitura.

O verão chegou

27 de setembro de 2024

Ainda anteontem, a Mulher do Sétimo Andar se referia ao Outono das Castanholas. Hoje já chega com o verão? Que confusão danada é essa? É que estamos nos trópicos. Aqui, as estações do ano subvertem a ordem dita natural da sequência de estações. Pois a rigor, só temos mesmo é inverno e verão. Os pescadores sabem disso.

Anteontem ela tinha ido até o estacionamento das jangadas, e viu somente quatro delas, com ares de abandonadas. E pensou, com uma ponta de tristeza: Será que transferiram os pescadores do Pina para Brasília Teimosa? Felizmente ela estava equivocada.

Hoje, com a maré seca, saiu para caminhar na areia da praia e não no calçadão. (Que maravilha! Sem o barulho de vozes humanas nem de motores de automóveis e motos. Somente natureza.). Já havia visto, de sua janela, uma jangada saindo ao mar. Sentira uma alegria. Quando se aproximou da área do estacionamento, observou que se multiplicara o número das jangadas. Como assim? De um dia para o outro? Lembrou-se das flores dos jardins públicos de Brookline, na Nova Inglaterra. À chegada da Primavera, surgiam assim, sem aviso, de um dia para o outro.

Ainda encontrou lá, ouvindo radinho de pilha, um pescador, conhecido seu. Se cumprimentaram. As pessoas só falam nos achaques da velhice, e não pensam na serventia dos cabelos brancos. Os porteiros da noite de seu prédio, os pescadores, todos eles olham por essa mulher, que insiste em morar sozinha até enquanto Deus der bom tempo.

Pois é isso, meus amigos, minhas amigas. Setembro já finda, e somente agora os arautos do verão tocaram as cornetas para anunciá-lo. Anuncia-se também, para a Mulher do Sétimo Andar, que, de agora em diante, ela terá como deixar no banco de uma jangada, sem medo de ser roubada, óculos escuros, chapéu, shorts e tênis, antes de mergulhar nas águas frias da madrugada do Oceano Atlântico. Voltará para casa com o corpo salgado e abençoado pela grande mãe Iemanjá.

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