31 de agosto de 2025
A pedidos, a Mulher do Sétimo Andar está aqui de novo para uma visitinha domingueira. Antes tarde do que nunca, na despedida desse agosto que, aqui no Recife, em vez de ventos, espichou um inverno de chuvas. Seis da manhã, céu brumoso em azul quase lilás. A verdade é que essa mulher anda sem assunto. Por isso a ausência.
Não é que parou de escrever. Escreve todo santo dia. Como não dá crônica, manda para uma pasta nomeada: Romance – subsídios. (Acho mesmo que vai morrer nos subsídios).
(o que acho mesmo, é que ela escreve só para exercitar os dedos, e, quem sabe, um dia toca violão?)
Sem assunto, a Mulher do Sétimo Andar tirou do baú uma velha crônica inédita. A ideia de ressuscitá-la, surgiu a propósito de um projeto de construção de condomínio para velhinhos, justamente nos quintais do Colégio Salesiano na rua Dom Bosco.
Antes da crônica, o contexto. A Mulher do Sétimo Andar já morava no Recife há anos, mas continuava antenada com São Paulo. Foi assim que soube de um espaço que oferecia cursos de literatura. Isso foi antes da Pandemia, curso presencial. Comprou passagem, alugou flat por uma semana, e se inscreveu num intensivão de vinte horas com um conhecido escritor gaúcho. Tema: “Crônica Erótica”.
Primeiro dia de aula. Espia em volta. Os coleguinhas são todos mais jovens que ela. Até o professor. Todos poderiam ser seus alunos. Com o tempo, acostumou-se, e, às vezes, até tira partido, dessa posição de ser a mais velha. Desde então, mudou seu lugar na sala de aula. Foi para o lugar de aprender, e não mais de ensinar. Como se estivesse desaprendendo algumas coisas em favor de outras.
O professor estava vestido com calças de tecido estampado, combinando com a camiseta e as unhas cor de rosa. Voz e jeitão perfeitamente masculinos. Seguro de si, principiou dizendo que não ia se apresentar, porque todos que se inscreveram no curso, certamente já teriam consultado seus dados biográficos. Pediu então que os alunos se apresentassem, dizendo qual a tara de cada um.
Houve um certo reboliço, mas enfim começaram as apresentações. Talvez pela primeira vez na vida, a Mulher do Sétimo Andar pensou nesse assunto. Seria vero a ideia que lhe ocorreu?
O professor: “como assim, exibicionista? Tipo, tira a roupa na Avenida Paulista?” A classe toda riu. Ela não se deu por vencida e disse: “olhe que não é uma má ideia”.
Mas isso foi apenas o início da aula, para quebrar o gelo. O passo seguinte foi uma tarefa: cada aluno deveria escrever uma crônica sobre sua tara. O tempo de escrita foi limitado (teria sido trinta, ou quarenta minutos?). Depois disso, quando todos voltaram de um curto intervalo de quinze minutos, aí a surpresa maior: os textos seriam lidos em voz alta. Tanto o professor, como qualquer dos colegas, deveria interromper a leitura, ao perceber que o texto não se sustentava como crônica literária. “Tipo buzina do Chacrinha, professor?”, ela provocou de novo. E assim foi. A bem da verdade, os colegas não se manifestaram, mas o professor… interrompeu a leitura na maioria dos textos. E aquilo virava mote para explicações preciosas sobre como escrever uma crônica.
A Mulher do Sétimo Andar ia dando algum retoque no seu texto, enquanto anotava as observações do professor. Que aula! Se ainda estivesse na ativa, copiaria muito da técnica de exposição desse professor gaúcho, que dos erros extraía os acertos.
Sentiu-se aluna do Colégio Santa Sofia de Garanhuns quando, terminada a sua leitura, sem ser interrompida pela buzina do Chacrinha, foi aplaudida. Continuava boa aluna. Senão a primeira, a segunda de classe. Dos trinta alunos, somente a crônica dela e a de um rapazinho de óculos, que poderia ser seu neto, receberam palmas.
Ufa, dirão os leitores, finalmente vai nos apresentar o tarado da rua Dom Bosco? Mais ou menos, meus queridos, porque o caderninho se perdeu. A crônica era mais ou menos o que segue:
Eu caminhava tranquilamente pela rua dos Médicis no bairro da Boa Vista, onde morava minha bisavó. Tinha quatorze anos e estava de férias no Recife. Naquela tarde, ia para a casa de tia Mariana, na Ilha do Leite. Lembro que, quando menininha, eu era muito ligada ao significado das palavras, e achava estranho que minha tia morasse numa ilha e não precisasse de barco para chegar à casa dela. Até que meu pai me explicou que vários bairros do Recife – Ilha do Leite, do Retiro, de Deus…, eram de fato ilhas, que haviam sido aterradas e incorporadas ao continente.
Pois bem, quando dobrei à esquerda saindo da rua dos Médicis e entrando na rua Dom Bosco, meu pensamento era chegar na primeira esquina, onde havia a sorveteria Frisabor. Pediria um sorvete de casquinha de coco e chocolate e, até chegar à casa da tia, onde encontraria primas e primos, que eram onze, teria terminado o sorvete.
Já avistava a sorveteria, quando algo me chamou a atenção no outro lado da rua, onde ficava o Colégio Salesiano. Quando olhei, vi na janela aberta a imagem de um homem, que certamente estaria em pé numa cadeira. Estava vestido, porém com a calça arriada e mostrando um sexo perfeitamente ereto. A princípio achei que era um boneco gigante, uma brincadeira. Mas logo ele segurou o membro com as duas mãos e me olhou com um riso sinistro.
Saí correndo, não parei na sorveteria, corri até a casa de minha tia e cheguei lá esbaforida. Ela estava regando o jardim, piano piano, e quis saber o que acontecera para eu estar naquele estado, com o coração saindo pela boca. Falei da cena na janela do colégio Salesiano.
E ela, sem largar a mangueira, “Ih, minha filha, é um tarado exibicionista. Aqui no Recife está cheio”. Pensei na hora, mas não disse: “O que eu queria mesmo, era ter a coragem desse tarado exibicionista”.