O avesso da distopia

03 de setembro de 2025

Qual o avesso da distopia? No filme de Gabriel Mascaro, “O último Azul”, o avesso da distopia é menos a utopia, do que o real de uma vida que floresce com a velhice.

O filme passa rápido pela distopia, ambientada em uma cidade da Amazônia. Vemos detalhes de uma linha de produção num frigorífico de jacarés; vemos o avanço de um programa cata-velhos do governo. Esse programa aparece logo na primeira cena do filme: a título de um prêmio, a casa da protagonista é marcada, como casa de judeu em tempos sombrios.  

Mas, logo se inicia a saga da personagem principal em busca de sua liberdade, o filme vira pelo avesso. Essa personagem, Teresa, magnificamente interpretada pela atriz Denise Weinberg, consegue a façanha de nos levar com ela a uma aventura atrás da outra, em viagens de barco memoráveis. A primeira, com Rodrigo Santoro, vestido de Cadu, que, fosse apenas esse cenário (quando descobrimos o porquê do título em azul), já sairíamos satisfeitos do cinema. Mas tem mais, muito mais.

Como foi bem gasto aquele dinheirinho guardado numa caixa de sapato por Teresa, quando decidiu, a qualquer custo, andar de avião! Desejo guardado em outra caixinha secreta, invisível. Atrás desse sonho, ela inicia um périplo difícil e perigoso, tentando chegar aos céus através dos rios. Aos poucos, porém, ela vai se dando conta de que, os caminhos que percorre para chegar ao seu sonho, podem ser até melhores do que voar propriamente. O mais importante era não ficar parada, não se entregar. Ir em frente. Viver.

“O último azul” faz o estilo road movie, só que substituindo rodovias por rios. E, meu Deus, quanta beleza! A grandiosidade da floresta vista de fora, de dentro dos barcos que navegam pelo rio. A fotografia é deslumbrante!

E, nesse caminhar sobre as águas, Teresa vai descobrindo, aí sim, uma utopia: um mundo de animais encantados, a beleza, a leveza. Descobre-se aos setenta e sete anos. Uma vida que pulsa. Em algo tão real como a amizade que desabrocha na velhice entre as mulheres e seus sonhos. Não arquétipos de mãe, de avó… Não. Mulheres livres, até da tirania dos filhos.

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