Florezinhas do campo

As duas amigas tinham a mesma idade, com diferença de meses. Naqueles dias passados na fazenda São Pedro, do tio de Maria Carmem, estavam com sete anos. A avó de Maria Carmem era uma doce velhinha, o rosto redondo de Dona Benta, sempre vestida de preto, saia comprida até os pés. Tinha o mesmo olhar sossegado e carinhoso para Maria Carmem e a amiga, que, sem que ninguém sugerisse, também a chamava de vovó Emília.  

            Era inverno, mas aquele dia amanhecera ensolarado. Ouvia-se o mugir do gado no curral, não muito distante da casa do tio. Aquela proximidade trazia vez por outra um cheiro de estrumo – bom – e trazia também muitas moscas – ruim. O sol a pino da hora do almoço principiava a baixar, e várias redes haviam sido armadas na face de sombra de um alpendre que arrodeava três lados da casa. Quem não cochilava nos quartos, ficava nas redes do lado sombreado do terraço, espantando as moscas que zuniam. As crianças tinham ordem de não fazer barulho. Por isso não brincavam de esconde nem de roda, mas, as duas amigas, de casinha, falando baixinho. Afastaram-se da casa, a colher florezinhas do mato para enfeitar um pequenino vaso de barro em cima de uma mesinha de madeira da casa de bonecas. Foi quando Maria Carmem sugeriu: “vamos andar mais um pouco e buscar mais flores para a vovó Emília?”

            Lá iam as duas meninas, segurando a mão uma da outra, para se apoiarem bem e não pisarem em cocô de vaca (pão de ló com chocolate), ou cocô de cabra (bolas de gude marrons). E foram se afastando, se afastando, procurando caminhos de terra no meio do capim crescido pelas chuvas, que por vezes molhava a barra de seus vestidinhos. O calor estava intenso debaixo do sol. Viram um boi pastando fora do curral. Será que esse boi é brabo? Subiram numa baraúna nova e baixinha, esperando que o boi se afastasse. Nada. Resolveram voltar para casa. Porém, já não avistaram a casa. E agora?

            “Olha lá, Maria Carmem, uma casinha de morador lá longe. Vamos nos desviar do boi por aquele outro caminho e chegamos lá”. Mas quando desceram do pé de pau, já não viram a casa de morador. Tinham vontade de chorar. Em vez, seguraram firme a mão uma da outra e seguiram quase correndo sem destino. Começavam a ter sede, uma sede enorme.

            O sol já estava fazendo uma sombra do tamanho das duas, quando chegaram à tal casa do morador. Uma mulher com lenço amarrado na cabeça veio falar com elas. “Vocês não são sobrinhas do coronel Micá?”. Maria Carmem, quase sem fôlego, pois vinham disparadas na carreira com medo do boi, apenas assentiu com a cabeça. A amiga disse que estavam perdidas e com sede. Viram o homem enfiar um caneco de flandre com um cabo comprido numa jarra grande d’água, que era de barro e coberta com um pano de prato. Na boca do caneco, de uso coletivo, beberam uma água meio barrenta, friinha e saborosa. O dono da casa foi buscar o chapéu e botava os arreios no cavalo para levá-las de volta, mas nem careceu. O tio chegou. As duas voltaram na garupa do cavalo alazão dele. As flores da avó Emília haviam caído pelo caminho, na carreira delas até alcançar aquela casa. O bondoso tio, um homem de quem pouco se ouvia a voz, parou o cavalo pouco antes de chegar em casa e amarrou-o no tronco de uma árvore. Desceu primeiro, tirou cada uma do cavalo segurando pela cintura, e esperou pacientemente que colhessem outras flores. Houve muito alvoroço de repreensão e alegria quando chegaram em casa, cada uma com um buquezinho na mão.

            A primeira aventura a gente nunca esquece.

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