Edifício Santo Albino II

12 de janeiro de 2024

À publicação da crônica “Edifício Santo Albino”, recebi, mais que comentários, histórias, muitas histórias, a espichar o assunto com outras vozes. Hoje, passadas as festas e tendo o ano finalmente começado no Dia de Reis, o Edifício Santo Albino volta à cena.

O Alfaiate Arlindo – Lula Balta

Querido amigo Alberto Vinicius (Xanha): presente.

Oi Teresa. Aqui do quarto do hospital, onde estou desde segunda feira, li a sua crônica e relembrei a importância do centro do Recife nos tempos de nossa juventude. Da Guararapes, Pracinha, Dantas Barreto. De edifícios como o Trianon, o Almare (onde meu pai teve escritório) e do Santo Albino onde, além dos consultórios e da academia que você frequentou, existiam alfaiatarias (infelizmente uma atividade em extinção).

Entre os alfaiates, havia o Sr. Arlindo, ótimo profissional e um homem politizado, filiado ao Partido Socialista Brasileiro (meu pai foi um dos fundadores do PSB em Pernambuco). Ainda tenho roupas feitas por ele em tropical (também não se encontra mais) na década de 1990. O único terno que ainda tenho, foi feito por ele, para o casamento de meu filho caçula em 2001.

Para não perder a oportunidade de contar mais uma história nesse nosso grupo de música, vai essa de Seu Arlindo.

Ele era muito conversador e orgulhoso de sua clientela. Sob o vidro de sua mesa de trabalho, no último local onde funcionou sua alfaiataria (no bairro do Vasco da Gama), exibia vários cartões de visitas de gente importante que fazia roupas com ele (empresários conhecidos, políticos, etc.)

Aí pelo início dos anos 2000, meu irmão Abelardo foi lá em Vasco da Gama experimentar um blazer que Arlindo estava fazendo. Na prosa, sempre longa, o velho alfaiate comentou que tinha conversado muito com Pelópidas Silveira, sobre questões políticas do momento e outros assuntos. Abelardo saiu de lá pensando: Arlindo está passando do limite. Porém, quando encontrou o ex-prefeito poucos dias depois e perguntou se ele conhecia Arlindo, a resposta foi: claro, estive com ele há poucos dias e conversamos muito.

Arlindo já se foi há uns dez anos. E hoje é difícil encontrar um alfaiate; ainda mais difícil um tão competente quanto ele.

Saudade – Haidée Camelo:

Teresa, tua crônica hoje me trouxe melancolia.

Quando encontrava Alberto (Xanha), sempre nos abraçávamos e eu dizia: “A gente sempre se encontra nos lugares certos”. Ríamos os dois.

•⁠ ⁠Saudade.

A lembrança do Recife antigo… meu primo tinha consultório por ali. Também já se foi.

•⁠ Saudade.

Minha mãe gostava de passear a pé pelo centro da cidade aos domingos. Adorava ver as vitrines das lojas fechadas, os rios, as pontes, as igrejas, os cinemas… e havia calçadas naquele tempo.

•⁠ Saudade.

Hoje temos excesso de camelôs, de ladrões, de buracos, de descaso, de abandono, de medo, de impossibilidades…

•⁠ ⁠Indignação.

•⁠ ⁠Melancolia.

avenida guararapes – Sonia Marques

como uma caixa de chapéu

assim ele me pousava

no balcão do bar Savoy

– é sua neta, Romero?

um dos trinta perguntava

enquanto os demais sentados

erguiam os copos de chope

e eu quieta os admirava

sem saber que tudo aquilo

para Carlos então festim

viraria assombração

do que não há mais em mim

Dom Manuel – Teresa Sales

Conhecera o Recife em 1950. Naquele ano, com a mulher e os dois filhos, estavam a caminho da velha Espanha, onde passariam merecidas férias com os familiares. Haviam embarcado na Bahia e o navio fez escala no porto do Recife, ficando ali ancorado por três dias. Um conterrâneo galego ia buscá-los para passeios pela cidade. Foram até Dois Irmãos de bonde. Conheceram as ruas de comércio da cidade, rua Nova, rua da Imperatriz, a recém-inaugurada Avenida Guararapes, uma avenida moderna. O Recife era então uma cidade mais próspera do que Salvador.

Naquele meado do século XX, Manolo tinha 43 anos. Um comerciante que gostava de conhecer as cidades também pelas atividades de comércio, dos negócios. O que mais o impressionou no Recife foi a Avenida Guararapes. O amigo que os ciceroneava, sabia em detalhes da construção dessa avenida pelos anos de 1940. Tinha sido uma intervenção brutal no bairro, destruindo dezoito quarteirões, incluindo ruas estreitas, prédios antigos e até monumentos históricos dos séculos XVII e XVIII, como a igreja do Paraíso, o Hospital São João de Deus e o Regimento de Artilharia, onde foi dado o primeiro grito da revolução de 1817. Mas tinha valido a pena, pensavam eles. Uma avenida concebida segundo parâmetros do urbanismo francês no Brasil! Encerraram os passeios com um lauto almoço no restaurante Leite.

Voltava ao Recife 18 anos depois, viúvo há menos de um ano, e numa situação adversa. Ali chegando, um simpático casal amigo de seu filho o esperava no Aeroporto dos Guararapes. Era tudo muito estranho. Ele estava acuado. Nem quis procurar o conterrâneo, pois não saberia o que dizer. Iria ficar hospedado no apartamento do filho, sem o filho em casa. Teria que entrar em contato, para os acertos financeiros, com um advogado com o qual o casal amigo já vinha conversando, afirmando ser um dos mais conceituados da cidade.  

A empregada do filho o esperava em casa. Sabia cozinhar bem. A cama arrumada, a casa pronta para o receber. Um belo apartamento de três quartos na avenida Conselheiro Aguiar. Lembrava do regozijo de todos na Bahia, quando souberam da compra desse apartamento, símbolo de prosperidade de um rapaz solteiro com apenas cinco anos de formado. Da varanda se via o mar. O prédio ficava de esquina e não existia, naquele fatídico dezembro de 1968, prédios altos na Avenida Boa Viagem.

Dona Maria era uma negra na faixa dos 40 anos, empregada doméstica desde mocinha, bem-feita de corpo, analfabeta, porém ladina. Soube conquistar o velho espanhol, a quem passou a chamar de Dom Manuel. À vizinha que lhe perguntou por que Dom, ela respondeu que, sendo ele espanhol, teria algo de nobre.  

No dia seguinte, Manolo envergava o melhor terno tropical, e rumava para a Avenida Guararapes, onde teria entrevista com o advogado Carlos Moreira. Lembrava-se dessa avenida quando a conheceu, recém-construída. Via-a agora em plena pujança, ônibus elétricos e não mais bondes, um movimento formidável. Galego sempre gostou de apreciar movimento nas ruas. Era sinal de bons negócios.

Subiu de elevador os quatro andares do Edifício Santo Albino. O brilhante advogado o recebeu calorosamente. Doutor Carlos Moreira era um homem das letras, um bom frequentador do bar Savoy, senhor de si. Depois de longa prosa, onde soube da vida daquele comerciante na rua da Mouraria em Salvador, da emigração dele da Espanha aos 16 anos, para trabalhar na loja de ferragens do pai naquela cidade, soube convencer aquele pai apreensivo, que seu filho era inocente. E que seria absolvido, como de fato foi.

Rubens Paiva, naqueles anos de chumbo da ditadura militar pós o Ato Institucional número cinco, por muito menos, teria destino trágico.

(Dedico esse conto a Marcus Alban e Mauro Ramos)

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